segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Entre Sonhos, Ideais e amizade

ENTRE SONHOS, IDEAIS E AMIZADE

            Encontraram-se as três adolescentes no internato feminino do Colégio Santa Clara, dirigido por religiosas clarissas, no início das aulas do ano de 1930, em São Paulo.
            Descobriram que eram da mesma cidade, situada no interior de Mato Grosso, durante a aula inaugural, na quinta série do ginásio.
            No recreio, Mary Ellen, comunicativa e sorridente, reuniu-se às conterrâneas, saudando-as com muita graça.
            Mariane, de tez alva, estendeu-lhe a mão delicada para cumprimentá-la.
            Margareth, de cabelos louros, imitou-lhe o gesto e logo conversaram animadas.
            Com o passar das semanas, conversando diariamente, tornaram-se tão íntimas que já não existia segredo entre elas.
            Pensando nas férias de julho, planejavam passá-las na fazenda dos pais de Mariane, para conhecerem a sede, em estilo colonial, banhada por rios.
            Seus ideais eram os mesmos: formatura para o magistério e um casamento com alguém que as agradasse e fosse aprovado pelos familiares.
            Quanto aos sonhos, cada uma tinha o seu, bem guardado no coração, mas que foram expostos aos olhos das colegas, abertamente.
            Eram puros assim como aquelas que os elaboraram, em silêncio, sem revelá-los nem aos familiares, temendo, talvez, qualquer dito contrário a eles.
            Mary Ellen sonhava ser jornalista, quando os planos da família eram conceder-lhe apenas o curso para professora, mais compatível com a época um tanto repressora da liberdade feminina.
            Margareth ansiava por especializar-se no Instituto Britânico e estagiar em Londres, mas temia declarar este desejo aos pais.
            Mariane apenas gostaria de escrever livros, visto que desde pequena tinha pendor para a literatura e para isto, também, não sabia se teria apoio paterno.
            Certa vez, durante a oração das seis horas da tarde, na capela do educandário, suplicaram em sintonia, para que pudessem realizar os sonhos e ideais e conservar a amizade entre elas.
            Assim, em harmonia, chegaram ao final dos cursos secundário e complementar para o magistério, com sete anos de convivência.
            Após a entrega dos diplomas, abraçaram-se emocionadas, pressentindo que desse momento em diante, tomariam rumos diferentes.
            Mariane foi a primeira a casar-se, assim que retornou à fazenda.
            Margareth obteve o consentimento paterno para especializar-se no Instituto Britânico de São Paulo.
            Mary Ellen conseguiu a aprovação para cursar a Faculdade de Jornalismo, também na capital paulista.
            As três ex-colegas, embora não se vissem mais, trocavam correspondência assídua.
            Mariane  ficou a par do casamento de Margareth com um jovem londrino e o de Mary Ellen com um professor de espanhol.
            Quando Mariane tornou-se mãe, participou o nascimento de cada filho seu, ao todo onze herdeiros e soube que tanto Mary Ellen quanto Margareth tiveram somente dois descendentes cada uma.
            Para Mariane a vida correu repleta de afazeres domésticos, mas sempre encontrou tempo para alfabetizar cada um dos filhos, antes de enviá-los à escola.
            Também ajudava o esposo, homem trabalhador e decidido, na administração da fazenda que, ao longo de quase três décadas, prosperava em gado e fabricação de açúcar e rapadura.
            A fortuna acumulada poderia proporcionar a toda a família riqueza mais que suficiente para uma existência de classe abastada.
            Mariane poderia, agora, que se aproximava dos cinqüenta anos de vida, desfrutar de férias em qualquer lugar do mundo que lhe aprouvesse, porém preferia continuar em seu lar, cumprindo os seus deveres de esposa e mãe.
            Certo dia, espraiou o olhar pelas vastas terras que lhe pertenciam já por herança, pelo gado incontável pastando pela pradaria, pelo inúmeros empregados, fabricando o branco açúcar ou a morena rapadura e sentiu que ainda lhe faltava algo para completar-lhe a alegria de ter frutificado em fartura.
            Era o desejo de sentar-se frente à escrivaninha e deixar fluir a história de seus dias juvenis. Sobrava-lhe tempo, agora, que seus meninos e meninas já estavam crescidos e criados. Assim, pensando, sentou-se, quase sem perceber, diante de um grosso bloco de papel em branco e pôs-se a escrever. Primeiramente o título: “Entre sonhos, ideais e amizade”. Depois, com mil detalhes, foi revivendo o seu período colegial, cercado de aprendizagem, inocência, vivacidade e energia juvenil, tão diferente da sua saúde atual que já começara a faltar-lhe.
            Ao encerrar a narração, após algumas semanas, entregou-a para o filho primogênito, Alonso, dizendo-lhe com um sorriso triste e pálido:
-          Cuide bem deste livro, filho. Não há pressa para publicá-lo. O importante é que ele está aí bem guardado em suas mãos de excelente advogado.
            Alonso olhou-a carinhosamente, dizendo-lhe:
-          Fique tranqüila, mãe. Logo tomarei providências para que a sua obra-prima seja publicada com toda a honra que merece.
Ao despedir-se de Mariane, Alonso ainda lhe assegurou:
-          Pode confiar em mim, mãe! Não irei decepcioná-la.
Quando regressou ao seu escritório na cidade, o jovem causídico ligou depressa para um editor paulistano, seu conhecido, pedindo-lhe informações sobre o tempo necessário para a publicação da obra que lhe fora confiada, bem como sobre a melhor qualidade da encadernação e papel.
Sendo aconselhado pelo editor a apresentar a versão do manuscrito em língua inglesa e espanhola, Alonso lembrou-se de recorrer a Mary Ellen, para o Espanhol e a Margareth para o Inglês.
Entrando em contato telefônico com as amigas da mãe, conseguiu a aquiescência de ambas para colaborarem no objetivo de lançamento internacional da história de Mariane em que elas apareceriam também como personagens da vida real juntamente com a autora.
Marcando a data, em breve Alonso foi à capital paulista e entregou cópias do volume às tradutoras e ao editor que ficou encarregado de reivindicar as versões dentro do prazo estipulado por elas: uma semana e de responsabilizar-se por uma revisão impecável da publicação.
Rapidamente, Alonso fez o orçamento e pediu que a encomenda fosse enviada para o seu endereço em Mato Grosso dentro de um mês.
Ele queria que no próximo aniversário de Mariane em que ela iria comemorar seus quarenta e nove anos, pudesse surpreendê-la com a publicação esmerada, como presente seu àquela que engavetara, por tantos anos, os seus anseios em prol dos seus familiares.
A festa natalícia chegou e Mariane ficou surpresa com a festa que lhe prepararam no salão-nobre da sede, recebendo mais de cem convidados entre parentes e amigos.
Fotografias foram tiradas da aniversariante ao receber os presentes de cada filho e do esposo.
Quando chegou a vez de Alonso, ele presenteou-a com os três volumes luxuosos da história publicada por Mariane.
A felicidade materna ficou estampada na foto feita nesse momento único de toda sua laboriosa existência, ao lado de toda a família que a aplaudia.
Outro instante de grande alegria foi o da partilha do bolo imenso, bem decorado, encimado com as tradicionais velinhas, marcando a recente idade adquirida.
Ao se despedirem os últimos convidados, Mariane, cansada e feliz, retirou-se para o quarto onde abriu os três livros recebidos como amostra da grande edição encomendada.
Reconheceu na tradução, em Inglês, a letra de Margareth que lhe dizia: “Os sonhos possuem asas e podem nos levar ao infinito”.
A seguir, olhou a tradução em Espanhol onde Mary Ellen lhe assegurava: “Os sonhos não devem ficar engavetados, pois têm asas com as dos anjos para nos levar ao paraíso”.
Viu a dedicatória de Alonso em outro: “Seu sonho, mãe, hoje se realizou. Aceite minha admiração e grande amor”.
Colocou-os à cabeceira de seu leito onde se deitou ciente de ter efetivado seus ideais e sonhos.
As dores que freqüentemente lhe oprimiam a respiração, manifestaram-se mais agudas agora, a ponto de tirarem-lhe o fôlego, mas, na capa luxuosa dos seus livros, brilhava uma chama dourada e vívida: da amizade mantida até os suspiros finais e a do amor filial representado pelo esforço de Alonso de torná-la feliz.
Talvez foi o júbilo excessivo que lhe acelerou o batimento cardíaco nesta noite ocasionando-lhe uma serena ascensão ao infinito, enquanto dormia, esplendidamente seu sono de realizações.




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